NÃO APENAS RITUAIS E CERIMÔNIAS
Reflexões em Jeremias 7.1–5
O profeta Jeremias iniciou seu ministério durante o reinado de Josias, monarca
de Judá entre os anos de 639/8 e 609 a.C. Este rei empenhou-se na restauração da
independência nacional frente ao domínio assírio e na reconstituição do reino de Davi.
Com a descoberta do livro de Deuteronômio no templo de Jerusalém (cf. 2Rs 22.8–10),
Josias instituiu uma ampla reforma político-religiosa, renovando a aliança entre o
Senhor e o povo (cf. 2Rs 23.1–3) e eliminando os cultos a divindades estrangeiras,
excetuando-se o culto ao Deus de Israel (cf. 2Rs 23.4–20).
Todavia, Josias foi derrotado pelo Egito e morreu na batalha de Megido (cf. 2Rs
23.28–30). Posteriormente, seu filho Jeoacaz assumiu o trono por apenas três meses,
sendo deposto e levado ao Egito por Neco (cf. 2Rs 23.30b–33a, 34b). O rei egípcio
nomeou Eliaquim como sucessor, alterando-lhe o nome para Jeoaquim (cf. 2Rs 23.34a).
A partir de então, Judá tornou-se dependente do Egito, como evidencia o pagamento de
tributos ao faraó (cf. 2Rs 23.33b, 35). Estes eventos compõem o pano de fundo histórico
da mensagem profética de Jeremias.
Durante esse período de instabilidade política e frustração nacional, Jeremias
anuncia a vontade do Senhor, justamente quando o povo experimenta o colapso de suas
expectativas de soberania. A derrota militar, a morte de Josias, a deposição de Jeoacaz e
o avanço egípcio geram um sentimento generalizado de medo, insegurança e
perplexidade.
Nesse cenário, a confiança popular volta-se quase exclusivamente para o templo
de Jerusalém, visto como último bastião de estabilidade. A crença de que a simples
existência do templo garantiria a presença e proteção divina passa a predominar,
expressa no slogan repetido: “Templo do Senhor!” (v. 4). Tal afirmação revela uma fé
supersticiosa, que Jeremias denuncia como enganosa, promotora de uma falsa sensação
de segurança.
Na primeira parte de sua mensagem, contudo, o profeta aponta para a
possibilidade de restauração: caso o povo promova uma mudança radical em sua
conduta e ações (cf. vv. 3–7), a presença de Deus poderá ser mantida. A introdução da
profecia com o título solene “Senhor dos Exércitos, Deus de Israel” (v. 3a) relembra a
aliança divina, cujo benefício está diretamente relacionado ao compromisso ético do
povo (cf. vv. 5–6).
Na segunda parte do discurso, Jeremias aprofunda sua crítica à segurança
ilusória depositada no templo. Ele destaca a incoerência flagrante entre o culto realizado no templo e o comportamento cotidiano dos fiéis. Embora confiem na presença do
Senhor ao adentrarem o templo (v. 10), os mesmos indivíduos, em seu dia a dia,
transgridem sistematicamente os mandamentos divinos — cometem furtos, assassinatos,
adultério, prestam juramentos falsos e cultuam divindades pagãs (v. 9). Demonstram,
ainda, total insensibilidade diante dessa contradição (v. 10).
A metáfora utilizada por Jeremias é contundente: o templo foi transformado, por
seus frequentadores, em um verdadeiro “covil de salteadores” (v. 11), usurpando, assim,
o espaço que pertence ao Senhor. Este trecho foi posteriormente citado por Jesus ao
expulsar os vendedores e cambistas do templo (cf. Mc 11.15–17; Mt 21.12s; Lc 19.45s).
As palavras de juízo contidas na parte final do discurso (vv. 12–15) são especialmente
severas. Jeremias anuncia a destruição do templo e o exílio do povo, utilizando o
destino de Siló como exemplo da consequência da infidelidade. Neste momento, não há
mais chamado ao arrependimento — o profeta não vislumbra qualquer possibilidade de
salvação. Como consequência, sua mensagem provocou intensa hostilidade, a ponto de
desejarem tirar-lhe a vida (cf. Jr 26.8–11).
Portanto, o que vemos nesta perícope do texto, é: nos versos 1 a 3 temos a
convocação ao arrependimento. Jeremias anuncia a mensagem de Deus às portas do
templo. Ele diz que a mudança de vida é a única condição para o povo. Nos versos 4 a 7
o Senhor expõe a ilusão da segurança religiosa. O povo confia na repetição da frase “O
templo do Senhor…”, ignorando a necessidade de justiça e misericórdia. Nos versos 8 a
11 o texto fala da incoerência entre o culto e a conduta desse povo. O Senhor Deus
denuncia Denúncia os crimes cometidos e da hipocrisia religiosa — fé exterior sem
transformação interior. Nos versos 12 a 15, o Senhor adverte o povo fazendo-o olhar
para a história, para o que já havia acontecido por conta da rebeldia da nação. O
tabernáculo em Siló é apresentado como símbolo do juízo passado; usado como
exemplo do que pode acontecer com Jerusalém e o templo.
O que podemos aprender com tudo? Que lições podemos tirar desse texto? Em
primeiro lugar, espiritualidade sem vida transformada é vazia. Rituais e cerimônias
só fazem sentido quando acompanhados de arrependimento e justiça. Em segundo lugar,
Deus deseja integridade completa. Mais que aparência, Ele observa nossa conduta,
ética e relacionamentos. Em terceiro lugar, Fé que se expressa no cotidiano: A
verdadeira devoção se revela na forma como tratamos os outros — com verdade,
compaixão e retidão.
Que o Eterno e Soberano Senhor tenha misericórdia de nós. Que não tenhamos
apenas rituais e cerimônias nas nossas vidas, mas sejamos um povo de coração contrito
e vida com Deus autêntica. Que as nossas expressões no templo não estejam divorciadas
das Escrituras, do coração. Quantos não são aqueles que apresentam apenas uma espécie
de “avatar” de espiritualidade? São muitos os que interpretam papéis. Somos
contemplados pelo Soberano de toda a terra. O nosso coração não Lhe é oculto. Então,
não adiante fingir. Ele nos vê. Ele prova do nosso coração, como quem prova ou
experimenta de uma comida que será servida aos outros. Antes mesmo de sermos
“saboreados” pelo nosso próximo, somos experimentados ou degustados pelo Todo-
Poderoso Senhor.
Pr. Evandro Rocha