A mentira mais impiedosa: não há perdão para você
“O pior não é o castigo que vem de fora, mas a condenação que ecoa dentro de nós.”
(Fiódor Dostoiévski, Crime e Castigo)
Em Crime e Castigo, Dostoiévski descreve o drama de Raskólnikov, o jovem estudante que assassina uma velha agiota movido pela crença de que certos homens extraordinários estariam acima da moral comum e poderiam transgredi-la em nome de um suposto bem maior. Depois do crime, porém, ele descobre que sua maior prisão não são as grades da polícia, mas a própria consciência. Cada passo é acompanhado pela sensação de ser descoberto, cada olhar parece acusá-lo. Mais do que o castigo externo, é a ideia de que não há perdão que o consome. Ele se sente condenado, irremediavelmente marcado.
Esse é o grito de tantas almas. O pecado, quando cometido, não apenas fere o próximo e afronta a Deus, mas também ecoa dentro de nós em forma de vergonha e culpa. É nesse terreno fértil que o inimigo semeia a sua mentira mais impiedosa: “Não há perdão para você.” O argumento é simples: você foi longe demais, por isso Deus não vai mais ouvir a sua voz. A acusação diabólica não se contenta em apontar falhas; ela procura convencer o coração de que não existe retorno, de que a queda é definitiva. C.S. Lewis, em Cartas de um Diabo a seu Aprendiz, retrata essa armadilha com clareza. Screwtape (um demônio veterano) orienta Wormwood (um aprendiz inexperiente) a manter o cristão confuso, preso a sentimentos vagos de culpa e levado a acreditar que, se fosse realmente perdoado, não sentiria mais remorso. Assim, ele confundiria o alívio emocional com o perdão real, e, por não sentir o primeiro, passaria a duvidar do segundo.
Esse argumento de Lewis é profundo: o diabo procura transformar a culpa em um labirinto sem saída. Em vez de levar o pecador a um arrependimento claro, definido e que desemboca na graça de Cristo, ele o mantém em um remorso nebuloso, sem forma, que apenas oprime. Assim, a pessoa começa a acreditar que a ausência de sensação é ausência de perdão. Mas o evangelho garante o contrário: o perdão não se mede por sentimentos, mas pela obra consumada de Cristo na cruz.
É exatamente assim que o inimigo age: transforma a culpa em prisão perpétua, confundindo ausência de paz momentânea com ausência de perdão eterno. Mas a cruz desfaz esse engano.
Sim, pecamos. Sim, fomos longe demais. Mas há alguém que foi mais longe ainda. O Filho de Deus desceu da glória, percorreu o caminho da humilhação, carregou a cruz e entrou na morte para que ninguém precisasse ouvir como sentença final: “Não há perdão para você.” A cruz é a refutação eterna dessa mentira.
Pedro conheceu bem essa acusação. Negou Jesus três vezes, negou até com juramentos conhecer o Mestre. Pela lógica diabólica, seu destino era a caverna do desespero. Mas o Cristo ressurreto o procurou na praia e perguntou três vezes: “Tu me amas?”. O que parecia fim tornou-se recomeço. O que era queda virou ponto de partida para apascentar o rebanho. A graça fez da negação uma ponte para o ministério.
É assim que Deus age. O inimigo sempre vai tentar aprisionar o crente no passado. Deus sempre aponta para o futuro. O diabo joga na cara os pecados cometidos. Jesus mostra as mãos feridas que já os levaram. A mentira diz: “Você está condenado.” A verdade responde com a autoridade de Paulo: “Quem fará alguma acusação contra os escolhidos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os condenará? Foi Cristo Jesus que morreu; e mais, que ressuscitou e está à direita de Deus, e também intercede por nós” (Rm 8:33-34).
E aqui está o alicerce da nossa fé: a salvação não depende da firmeza do crente, mas da fidelidade de Cristo. Ele mesmo declarou: “Eu lhes dou a vida eterna, e elas jamais perecerão; ninguém as poderá arrancar da minha mão” (Jo 10:28). Isso significa que nem o pecado, nem a acusação do diabo, nem a fraqueza da fé podem arrancar das mãos de Cristo aqueles que o Pai lhe confiou.
Por isso, quando a acusação ressoar em sua mente, não dialogue com ela em silêncio. Proclame a verdade do evangelho. Diga: “Cristo me perdoou. Seu sangue é suficiente. Sua graça é maior do que minha culpa.” O diabo não suporta ouvir o som da cruz, pois ali ele foi derrotado.
Raskólnikov, no romance de Dostoiévski, descobre a possibilidade de redenção no sofrimento e na confissão. Mas o evangelho vai além: não nos resta apenas confessar, mas descansar na certeza de que já fomos perdoados. O perdão não é uma conquista, mas um dom. Não é prêmio para os fortes, mas graça para os caídos.
A mentira mais impiedosa insiste: “Não há perdão para você.” Mas a última palavra pertence a Cristo. E ela foi pronunciada no Gólgota: “Está consumado.”.
João Meireles