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O céu para o qual não quero ir


Porque a caricatura cultural enfraquece nossa esperança


Quando se fala no céu, muitas pessoas – inclusive dentro das igrejas – imaginam algo monótono: uma planície verde, cheia de luz, todos vestidos de branco, caminhando lentamente em meio a uma claridade pálida e uniforme, ao som de harpas tocadas por anjos entre nuvens. Uma eternidade sem surpresas. Essa caricatura, repetida em filmes, desenhos e até em algumas representações religiosas, moldou no imaginário popular a ideia de que a eternidade será sem graça, uma rotina tediosa e sem fim. Afinal, será que vale a pena esperar por isso?

A consequência dessa visão equivocada é mais grave do que parece: muitos cristãos já não se animam genuinamente com a perspectiva do porvir. Fala-se pouco sobre a vida eterna. Pensa-se pouco sobre ela. Para alguns, a eternidade soa mais como castigo do que como prêmio. E assim, preferem concentrar-se no presente imediato, nessa rotina efêmera e material. Eis o problema: quando deixamos de pensar no céu, vivemos como se esta vida fosse tudo o que temos, agarrando-nos a causas passageiras. O resultado é inevitável: ansiedade pelo amanhã, consumismo no hoje e desespero diante da morte.

O fato é que esse “céu chato” do imaginário popular nunca existiu. Essa abstração reducionista não passa de uma invenção cultural, fruto de uma imaginação preguiçosa que não consegue conceber a eternidade como vida em plenitude. A descrição bíblica não poderia estar mais distante disso.

O Paraíso: descanso para os cansados
A Bíblia fala do paraíso como a primeira realidade após a morte para os que estão em Cristo. Foi a promessa de Jesus ao ladrão arrependido: “Hoje você estará comigo no paraíso” (Lc 23:43). É comunhão imediata com Cristo, descanso após a longa jornada. Como diz Apocalipse 14:13: “Felizes os mortos que morrem no Senhor. Sim, eles descansarão das suas fadigas pois as suas obras os seguirão.”
Esse paraíso não é inatividade, mas repouso. Não é monotonia, mas consolo. Ali cessam as lágrimas, as dores e as pressões. O crente descansa nos braços de Cristo, aguardando o grande dia da ressurreição. É como uma sala de espera gloriosa: já cheia de paz, mas ainda provisória.

O novo céu e a nova terra: a consumação gloriosa
O destino final dos filhos de Deus não é apenas esse paraíso imediato, mas a nova criação. O apóstolo João declarou: “Então vi um novo céu e uma nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra tinham passado” (Ap 21:1). Ali, após a ressurreição, teremos corpos glorificados, livres da corrupção, vivendo em uma criação renovada. Não apenas almas no além, mas homens e mulheres redimidos, habitando plenamente com Deus.
A Escritura descreve essa realidade como banquete festivo (Is 25:6), música que nunca para (Ap 4:8), uma cidade viva e bela — a Nova Jerusalém (Ap 21–22). Jesus prometeu a “renovação de todas as coisas” (Mt 19:28). Paulo disse que seremos plenamente conhecidos (1Co 13:12). João garantiu que não haverá lágrimas, dor ou separação (Ap 21:4).
Será descanso sem inércia, trabalho sem fadiga, amor sem perda. Será plenitude daquilo que sempre buscamos, mas nunca conseguimos encontrar verdadeiramente aqui: paz, justiça, comunhão..

O lar da família de Deus
E aqui está uma das imagens mais belas: o céu — o verdadeiro — é o lar da família de Deus. Uma casa pode ter paredes, portas e janelas. Um lar, porém, tem acolhimento e amor. No lar somos queridos simplesmente por quem somos, não pelo que temos. Somos lembrados, desejados, esperados.
Essa é a promessa do céu: a Casa do Pai como lar eterno de toda a família de Deus. Ali não haverá estrangeiros, nem discriminados, nem esquecidos. Todos serão bem-vindos, amados e plenamente aceitos. Lá nos encontraremos, reconheceremos, abraçaremos. Estaremos com Cristo e com todos os santos do passado. Como disse um irmão querido: “É tanta gente boa que já está com o Senhor! O céu será um lugar maravilhoso. E para sempre.”
A cultura também captou lampejos dessa verdade. Dante descreveu o Paraíso como ascensão em direção à luz, sempre viva e em movimento. C.S. Lewis, em A Última Batalha, retratou o céu como entrar na verdadeira Nárnia: “mais fundo e mais alto”, sempre descobrindo novas paisagens. Tolkien sonhava com o país além do mar, onde a beleza nunca se esgota.
E haverá reencontros. Imagine chegar à Casa do Pai e ouvir dEle: “tem alguém querendo ver você”. E então, ao virar-se, receber aquele abraço pelo qual tanto esperou: o pai ou a mãe que partiram cedo demais; o filho que não pôde crescer em seus braços; o amigo fiel levado pela morte. Cada encontro será uma festa de lágrimas que nunca mais precisarão cair.
Ali não haverá despedidas. Cada rosto amado estará marcado não pela dor ou pelo tempo, mas pela glória refletida do próprio Cristo. O sorriso que parecia perdido se abrirá de novo — e você terá a certeza de que nada, absolutamente nada, foi em vão.
Haverá também encontros inéditos: sentar-se à mesa com Abraão, ouvir de Moisés como foi atravessar o mar, conversar com Pedro sobre o dia em que caminhou sobre as águas, saber de Paulo o que afinal era o tal “espinho na carne”. E, no centro de tudo, o abraço de Jesus — não uma metáfora, mas um encontro real, concreto, eterno.
Nesse lar, não haverá medo de perder, porque nada mais poderá ser perdido. Não haverá pressa, porque o tempo terá se cumprido. Não haverá espaços vazios, porque cada coração estará finalmente completo.

A festa que nunca cansa
Tente imaginar a festa. Louvores que não cansam porque nunca se repetem. Alegria que não se esgota porque não depende de circunstâncias. Trabalho sem fadiga. Descanso sem inércia. Amor sem perda. Comunhão sem despedida.
Pensar no céu não é fuga, mas esperança. Não é alienação, mas lucidez. Quanto mais recuperarmos o céu verdadeiro — bíblico, belo e pleno —, mais aprenderemos a viver aqui não como quem teme o fim, mas como quem já tem um começo garantido.
E então, eu te pergunto: quando foi a última vez que você se deitou, fechou os olhos e simplesmente imaginou o céu? Talvez tenhamos deixado de sonhar, desejar e falar dele porque trocamos a verdade pela caricatura. Mas o céu verdadeiro é o lar para o qual fomos criados. E quando pensarmos nele com clareza, vamos desejar mais, pregar mais, evangelizar mais e viver melhor.

João Meireles